As homenagens póstumas sempre me incomodaram um pouco, mas estou colocando meu coração na frente para deixar registrada a minha gratidão ao Enio Benito Mary Finochi (1936-2012), conhecido, também, por "Li Tang" e "Estilingue". Para mim foi mais que um amigo, foi um irmão. Companheiro de muitas realizações, estivemos juntos desde o ano de 1961 e fica aqui meu testemunho de ter conhecido uma pessoa envolvida com a Arte Mágica com o corpo e com a Alma.
Eu tinha conhecimento de que ele havia dado uma entrevista para o Mágico Nadur para ser publicada na Revista Espanhola "La Dama InQuieta". Eu sabia da grande admiração dele para com o Nadur, como também da recíproca, e pedi para o Nadur se poderia mandar-me essa entrevista, o que prontamente ele fez.
Abaixo, a entrevista na íntegra e que possibilitará conhecermos um pouco da trajetória desse Notável Representante da Arte Mágica que deixou o "Palco da Vida" em 21 de outubro de 2012.
ENIO FINOCHI “LI TANG”
(Entrevista a Eduardo Sanchez “Nadur”, publicada na
revista virtual espanhola La Dama InQuieta no.32)
Conheço Enio há anos, não recordo
quantos, porém são muitos. Apesar de não termos comunicação freqüente em razão
das distâncias que nos separam, aproveitamos as oportunidades que nos oferecem
os Congressos ou Eventos Mágicos para pormo-nos em dia e compartilhar muitas
idéias.
Trata-se de uma personalidade
muito respeitada e reconhecida dentro do mundo mágico do Brasil, da Argentina e
de todos os países latinoamericanos. Li Tang é um estudioso da Arte Mágica e
também de sua História, possuindo uma biblioteca e um arquivo histórico
sumamente valiosos.
Não é tarefa fácil realizar uma
entrevista virtual, ainda mais sendo minha primeira experiência nesta tarefa,
porém tratarei de que os companheiros da Dama InQuieta conheçam este grande
Mágico e amigo brasileiro.
Nadur
Nadur: Uma pergunta que parece sempre repetida, porém que ajudará a
nos situarmos em seu início na Arte Mágica. Como começou tudo?
Li Tang: Nasci na cidade de São Paulo em 3 de fevereiro de 1936,
filho de pai italiano e mãe brasileira. Meu interesse pela Arte Mágica surgiu
aos 13 anos de idade, ao ler a revista “Vida Juvenil”, que publicava uma página
do autor e Mágico amador brasileiro Prof. Khiel, na qual eram ensinados números
para principiantes, fáceis de preparar e executar. Foi com base nessa
publicação que comecei a construir os números explicados e apresentava-os aos
amigos e colegas de escola. Recordo alguns deles: a raquete com o palito, a
moeda que “viaja” de um copo a outro, água que se transforma em vinho. Meu
interesse aumentou quando em casa de um parente conheci a revista argentina
“Hobby”, na qual em uma das seções Aldo Musarra ensinava números de mágica. Isto
serviu para ampliar meu pequeno repertório e também me ajudou a iniciar meu
aprendizado do idioma espanhol, que hoje domino perfeitamente e me é muitíssimo
útil.
Nadur: E como prosseguiu a carreira mágica?
Li Tang: Já totalmente seduzido pela Arte Mágica, comprei aos
poucos os três livros antológicos do mestre brasileiro João Peixoto dos Santos
“J.Peixoto”: “Curso Prático de Prestidigitação e Ilusionismo”, “Tratado
Completo de Prestidigitação e Ilusionismo” e “Trucs de Magia Selecionados”, com
mais de 1500 páginas totais.
Quando eu tinha 16 anos de idade, em 1952, chegou a São
Paulo para trabalhar nos teatros Odeon e depois Brás Politeama o famoso Mágico
“chinês”-panamenho Chang, com uma grande companhia. Maravilhado por
aquele fabuloso espetáculo, que assisti muitas vezes, decidi que eu também
seria um Mágico “chinês”, e foi assim que nasceu o Mágico “chinês”-brasileiro
Li Tang.
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Enio como Li Tang |
Com esse personagem, que há muito
tempo deixei de apresentar, atuei em teatros e televisão. Ao mesmo tempo, criei
também um personagem cômico, o palhaço Estilingue, com o qual mantive durante
alguns anos um programa por semana na série infantil diária “Pim-Pam-Pum”,
patrocinado pela Fábrica de Brinquedos Estrela no canal 4, então TV Tupi de São
Paulo.
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Palhaço Estilingue |
Nadur: Entendo que você também se dedicou à fabricação e comércio
de efeitos mágicos, não foi assim?
Li Tang: Sim, no início dos anos 60 abri no centro da cidade de São
Paulo, com um sócio, uma loja de equipamentos para Mágicos, que intitulamos
Centro Mágico Nacional. Nessa época também ingressei no então CMP-Clube Mágico
Paulista, que depois passou a chamar-se AMSP-Associação dos
Mágicos de São Paulo, dos quais fui secretário e depois vice-presidente. Em
1964, sob os auspícios da Associação, organizei e ocupei a presidência do
1º.Concurso Brasileiro de Mágicos.
Nadur: Bem, vejo que você também se ocupou da parte institucional
dos clubes mágicos, o que às vezes significa um grande esforço e vocação de ser
prestador de serviços.
Li Tang: Isso não é tudo, em 1965 deixei a AMSP e com cinco amigos
Mágicos fundamos o CEMA-Centro de Estudos Mágicos, do qual fui
conselheiro-diretor até seu encerramento em 1980. Estando no CEMA, me ocupei da
organização e da presidência da Comissão Diretiva da Convenção Mágica CEMA
1975, que marcou época no Brasil.
Em 1995, em sociedade com meu
Amigo e Mágico brasileiro Caetano Miranda fundamos a Academia Brasileira de
Arte Mágica, um centro de documentação e investigação sobre a história e a
técnica do Ilusionismo. Nos anos subseqüentes, com a Academia, realizamos
inúmeros cursos de iniciação, de formação básica e de especialização,
realizamos a Convenção Brasileira de Mágicos’96 e criamos o Mercado Mágico, um
encontro mensal de Mágicos, fabricantes, importadores e comerciantes de artigos
especializados, atividade essa que depois de 10 anos transferi em 2007 para o
ex-aluno, Amigo e Mágico Volkcane, que a mantém até os dias atuais.
Nadur: Conte-nos algo sobre sua relação com Ricardo Massone, Mágico
da cidade de Rosário, Argentina (meu conterrâneo), e atualmente no famoso Circo
Mágico Thiany.
Li Tang: Ricardo Massone, ou Richard Massone, Mágico argentino,
havia acabado de ganhar um concurso em Mar del Plata e eu, sem o conhecer,
trouxe-o para participar da Convenção Mágica CEMA 1975. Resulta que ele
resolveu ficar vivendo e trabalhando em São Paulo, tornamo-nos amigos e em 1983
abrimos uma produtora de shows e cinema publicitário, a Fly-Produções e
Promoções Artísticas. Richard é um artista de excepcional qualidade e um grande
produtor de espetáculos, e Thiany o levou para trabalhar em seu fabuloso circo,
onde ele continua até hoje com o cargo de diretor geral, excursionando pelo
México.
Nadur: Há no Brasil alguma estratégia para preparar os jovens
amadores para serem futuros valores da Arte Mágica?
Li Tang: Desde 1992 até 1995, fui contratado pelas Secretarias de
Cultura do Estado e da Prefeitura de São Paulo para promover cursos de
iniciação à Arte Mágica. Depois da criação da Academia, em 1995, continuei
promovendo através dela não só cursos de iniciação como também de
especialização em várias áreas de nossa Arte. Com alguns alunos desses cursos,
fundamos em 1992 o Grupo de Estudos Mágicos Misdirection uma agremiação
informal dedicada ao aperfeiçoamento de seus membros que está ativa até hoje e
cresceu agregando alunos de cursos posteriores e também outros Mágicos.
Justamente a partir dos cursos citados surgiram muitos dos que hoje formam as
novas gerações de Mágicos do Brasil.
Nadur: E seu trabalho como consultor?
Li Tang: Essa é outra parte de minhas atividades que sempre me
trouxe grande satisfação. Como uma das tarefas como consultor na produção de
atos mágicos trabalhei com Vik & Fabrini na preparação do belíssimo ato que
ganhou o 1º.prêmio em Magia Geral no Congresso Mundial de Magia FISM 1988, em
Haya, na Holanda, e que depois fez e ainda faz enorme sucesso no mundo todo. A
mesma coisa ocorreu com Eduardo Peres, que justamente no dia em que completava
17 anos de idade conquistou o 1º.prêmio em Manipulação no Congresso FLASOMA
1998 em Buenos Aires, Argentina, e aos 19 anos foi o ganhador do 3º.prêmio da
mesma categoria no Congresso Mundial de Magia FISM 2000 de Lisboa, Portugal, e
também com Volkcane & Cia. no poético e premiado ato do boneco que desperta
para fazer mágicas. Outro importante momento para mim foi ter sido indicado
para produzir, dirigir e apresentar uma gala brasileira durante o Congresso
Latinoamericano de Mágicos FLASOMA 1998 em Buenos Aires, Argentina.
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Caricatura de autoria de Fabrini |
Nadur: Comente-nos algo sobre seu trabalho no tema da História da
Arte Mágica. Sei que você tem um arquivo muito interessante sobre os Mágicos
que passaram não só pelo Brasil mas também pela América Latina desde o século
XIX.
Li Tang: Desde muito tempo dedico-me à investigação e estudo da
História da Arte Mágica no Brasil e no mundo. Publiquei alguns trabalhos em
Genii Magazine dos Estados Unidos (edição especial dedicada à mágica no Brasil,
dezembro de 1993, vol.57, no.2) e colaborei freqüentemente com as revistas
brasileiras O Tacape Mágico, CEMA-Notícias e Magia em Revista. Na atualidade
publico na revista MAGI, além de outros temas, uma série especial sobre a
imprensa mágica no Brasil, resenha de mais de 60 publicações entre revistas,
jornais e boletins especializados publicados em nosso País desde o primeiro, de
1916.
Nadur: Você escreveu algum livro?
Li Tang: Isso é algo que eu ainda devo a mim mesmo. Traduzi para o
português e editei o importante livro “O Humor na Mágica”, do Mágico argentino
Merpin. Também co-editei em 2006 com Eduardo Peres seu interessante livro “Pensamento
Original em Arte Mágica”. Como próprias, tenho em preparo duas obras: um
vocabulário técnico do Ilusionismo e a História da Arte Mágica no Brasil, ambas
sem compromisso quanto à publicação.
Nadur: Você também atuou como jurado nas competições dos Congressos
da FLASOMA.
Li Tang: É certo, além de atuar como mestre de cerimônias de galas
mágicas, trabalhei também como jurado de concursos, não só nos da FLASOMA-Federação
Latinoamericana de Sociedades Mágicas como de muitos outros eventos mágicos.
Nadur: Como está a Arte Mágica no Brasil na atualidade e como você
a vê para o futuro?
Li Tang: Como fruto de muito esforço e dedicação de algumas
pessoas, a Arte Mágica vive hoje no Brasil um momento de grande expansão. A
Arte já vinha crescendo após longo período de inércia, e desde nosso Congresso
Brasileiro de Mágicos 2004, ao qual compareceram 426 congressistas, entrou em
um ciclo de rápido desenvolvimento. Tivemos o Congresso 2006 em São Paulo, logo
o EMM-Encontro Mundial de Mágicos em Belo Horizonte em 2007 e, neste ano de
2008, o Magic in Rio, no Rio de Janeiro. Com isto seguramente surgirão novos
valores, que logo sairão a trabalhar e disputar prêmios em outros países, a
literatura, a indústria e o comércio serão impulsionados e também o público
terá sua atenção voltada para nossa Arte. No Brasil, cujo território é muito
grande, começam a surgir grupos informais ou associações de Mágicos fora dos
centros tradicionais, e com isso a espiral do desenvolvimento vai cada vez se
ampliando mais.
Nadur: Algo mais que queira contar-nos?
Li Tang: Ao longo de quase 60 anos de atuação em quase todos os
ramos da Arte Mágica no Brasil e na América Latina, alguns alunos, confrades e
instituições me brindaram com muitas homenagens, que hoje formam uma importante
galeria em meu escritório.
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Em 2004, nomeado Sócio de Honra no.1 da AMSR
Associação dos Mágicos de Sorocaba e Região
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Porém a coleção mais preciosa que
a Arte Mágica me proporcionou é aquela formada pelos muitos Amigos (com
maiúscula) que conquistei e que me conquistaram, e que guardo com muito carinho
em meu coração.
Nadur: Enio, quer deixar seu e-mail para o caso de algum colega
querer comunicar-se com você?
Li Tang: Certamente, com muito gosto, meu endereço eletrônico é eniofinochi@terra.com.br. Quero
agradecer meu Amigo Nadur e à La Dama InQuieta por terem tido interesse em
contar minha vida mágica, e até qualquer outra oportunidade.